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Texto Patricia Pontes
Design Heloísa Barbosa
Revisão Danielle Lima
Como a invisibilidade dos coletivos feministas na sociedade acarreta a exclusão de temas importantes para as mulheres
Ser uma mulher feminista nunca foi fácil. Juntar-se com outras mulheres que são feministas ou criar um grupo ou coletivo em que a igualdade de gênero pauta as discussões é mais difícil ainda. Talvez o nome “coletivo feminista” seja novo, mas a sua essência é bem mais antiga, a luta das mulheres pela libertação e conquista dos mesmos direitos que os homens é algo que sempre esteve presente na história. Um marco simbólico dessa luta é a organização das sufragistas, que ao final do século XIX iniciaram um movimento para a liberação do voto feminino. A partir dessa conquista, vários outros ideais se desencadearam, surgiram quatro ondas do feminismo e novos direitos foram alcançados. Entretanto, ainda há um mar de desafios para as mulheres.
Nos últimos anos, o movimento das mulheres retornou à cena reivindicando conquistas e a manutenção dos seus direitos, como a Marcha das “Vadias”, que teve início em Toronto, no ano de 2011, e espalhou-se ao redor do mundo. O motivo: um policial, ao ministrar uma palestra sobre a segurança no campus da Universidade de Toronto, orientou as mulheres a não se vestirem como “vadias” a fim de evitar os estupros, o que gerou revolta e protestos nas ruas da cidade canadense. É interessante notar que esse movimento se espalhou por todo o mundo, chegando até o Brasil; isso explica a força de um dos aliados mais importantes do feminismo na quarta onda: a internet. Foi a partir de mensagens em blogs que as mulheres do mundo ficaram sabendo do ocorrido e começaram a se manifestar.
No Brasil, em 2015, aconteceu um fenômeno que foi nomeado “Primavera feminista”, e um dos marcos foi a manifestação das mulheres pelo direito de contracepção. Os movimentos eram contra o PL 5069/2013, de autoria do até então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, que tinha como objetivo proibir a distribuição da pílula do dia seguinte e dar ênfase na criminalização do aborto. Um dos pontos mais polêmicos foi a questão da modificação do que é violência sexual, que foi estabelecida na lei 12.845/2013 e entrou em vigor em 1º de agosto de 2013 pela ex-presidenta do Brasil Dilma Rousseff. Conforme o Art. 2º: “Considera-se violência sexual, para os efeitos desta Lei, qualquer forma de atividade sexual não consentida”. Ela também garante que a mulher vítima da violência tenha o direito dos serviços básicos em toda rede SUS, como o amparo médico e o diagnóstico das lesões, além de facilitar o encaminhamento do registro de ocorrência. Já o PL 5069/2013 prevê que antes de ter acesso aos serviços do SUS, a mulher precisa provar que foi violentada, sendo obrigada a fazer o boletim de ocorrência e o exame pelo Instituto Médico Legal (IML) e só depois de passar por esse processo que ela poderá ser atendida pela rede pública. Com isso também se modifica o entendimento de violência sexual, que na nova proposta, é quando resulta em danos físicos e psicológicos comprovados por exames.
A repercussão negativa do PL 5069/2013 motivou protestos contrários às medidas e desencadeou o surgimento de uma nova onda do feminismo para as mulheres do Brasil. Foram essas revoltas que ergueram os coletivos feministas. Mas por que eles continuam às margens da sociedade se suas pautas são extremamente necessárias? Falar de coletivos feministas, mulheres e direitos nunca foi tão importante quanto hoje.

Mas afinal, o que é esse tal de feminismo?
Na versão online do dicionário Michaelis feminismo significa: “Movimento articulado na Europa, no século XIX, com o intuito de conquistar a equiparação dos direitos sociais e políticos de ambos os sexos, por considerar que as mulheres são intrinsecamente iguais aos homens e devem ter acesso irrestrito às mesmas oportunidades destes.” Na música Flawless, que faz parte do álbum da intitulado More Only (2014), a cantora Beyoncé usa como referência o discurso da autora Chimamanda Ngozi Adichie no TEDxEuston em 2014, que posteriormente foi transcrito e virou o livro Sejamos Todos Feministas (2015); para ela, feminista é “uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos.” Mas afinal, o que é feminismo?
Antes de compreender o conceito, precisamos nos atentar que o movimento feminista é historicamente dividido em ondas, sendo que a primeira se iniciou no século XX e sua maior reivindicação era o direito ao voto, mobilização que ficou conhecida como o movimento das sufragistas. Já a segunda onda, que começa nos anos 60 e vai até os anos 80, tem como principal motivação o fato de que os direitos conquistados na primeira onda ainda estavam no papel, mas no dia a dia estava longe de ser algo praticável; foi nesse período em que se começou a questionar mais incisivamente o motivo da submissão da mulher na sociedade. A terceira onda, que se iniciou nos anos 90, tem a ideia de que o feminismo precisa ser plural, pois as mulheres são diversas e cada uma tem seu recorte. Dentro do guarda-chuva do feminismo há os movimentos segmentados que ganham força nesse período.
A doutora em filosofia e autora do livro Feminismo em Comum, Márcia Tiburi, relembra que a palavra “feminismo” passou por um momento de ressignificação na história. O termo “feminismo” foi citado pela primeira vez no século XIX e era usado para criticar os homens que defendiam os direitos das mulheres. Somente quando o movimento das sufragistas começou a tomar corpo, no século XX, as mulheres tomaram posse do termo e deram-no um novo conceito. Mas é interessante notar que mesmo aderindo essa palavra e colocando ela debaixo do braço, várias mulheres só vão se autointitular feministas bem depois. Um bom exemplo dessa situação é o caso da escritora Simone de Beauvoir, que só foi se declarar feminista nos anos 70: “A Simone de Beauvoir escreveu O Segundo Sexo para falar das mulheres, uma análise superdensa e crítica, mas ela só vai se declarar feminista nos anos 70, quando o termo feminista já deu muitas voltas”, explica Márcia Tiburi.
É interessante observar que desde a primeira vez em que se falou em feminismo, grande parte das próprias mulheres rejeitam o simples fato de se associar ao termo pelo estereótipo que foi criado: “Não conseguem ter essa visão e entendem o feminismo como algo ainda relacionado a rótulos pejorativos que são criados para isso, então feminismo é algo para as mulheres lésbicas, que são mal amadas, que são feias, que são raivosas, que não se depilam”, afirma a professora e editora Ana Veiga da Revista dos Estudos Feministas (REF). Mas ao mesmo tempo, se você questionar se essa mulher é a favor da equidade entre homem e mulher, a resposta geralmente é sim, então o que causa desconforto não são os ideais e sim a palavra.
Atualmente estamos vivendo uma nova onda do feminismo: a quarta. Ela começou em 2010 com as manifestações sobre os direitos das mulheres sobre o corpo e os casos de violência. Em seu livro Explosão Feminista (2018), a autora Heloisa Buarque de Hollanda faz uma reflexão da nova onda: “Embora só em 2015 a quarta onda feminista tenha alcançado maior amplitude, capaz de atingir diferentes setores da sociedade, desde o início da década de 2010 ela já vinha mostrando sua força em manifestações públicas.” O feminismo, nos dias de hoje, conta com mulheres mais jovens e aliadas à internet, principalmente para movimentar pessoas, como ocorreu nas vésperas das eleições de 2018 no Brasil em que um grupo de mulheres mobilizou outras milhares de pessoas para o movimento “Ele Não”, que tinha como objetivo protestar contra o até então candidato à presidência Jair Bolsonaro (sem partido). Para Rosemary Sampaio, que por muito tempo participou de vários centros de acolhimento de mulheres e outros projetos que tinham como objetivo fortalecer a identidade da mulher negra na sociedade: “Todos os espaços em que há mulheres reunidas, é um espaço, um movimento em que uma mulher quer dizer para outra: você tem direitos”, afirma Rosemary. Durante toda a história do feminismo o movimento passou por altos e baixos, com mulheres entregando as esperanças de um futuro melhor para as mais jovens. “A nova geração é uma que já está crescendo com esses discursos sendo falados, discutidos... E acaba que a gente vai confiando nisso, que as novas gerações vão trazer isso nos seus comportamentos, em seus pensamentos”, explica Fatine Oliveira, integrante do Coletivo Feminista Helen Keller. O que vamos ver daqui para a frente é a história escrita em nossos olhos, vamos poder contemplar para onde esse feminismo vai.


As vozes silenciadas
A comunicação de massa tradicional (TV e rádio) sempre se manteve longe de assuntos considerados polêmicos, seja na parte do entretenimento ou na jornalística. Porém, evitar falar dessas pautas tem se tornado algo impossível, principalmente depois da sanção da lei 13.104/2015, que passou a considerar o assassinato praticado contra a mulher por causa do seu sexo como feminicídio. Até mesmo a lei Maria da Penha (11.340/2006), que conforme o seu artigo 5º “[...] configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, é algo muito recente no Brasil. A jornalista Luciana Araújo, que coordenou o dossiê "Imprensa e Direitos das Mulheres: papel social e desafios da cobertura sobre feminicídio e violência sexual", do Instituto Patrícia Galvão, relembra que: “A lei é muito nova, se a gente for pensar, é uma lei de 2006, é quase nada para a história brasileira, mas já há impactos mensuráveis”. Foi a partir dessas conquistas que as pautas dos direitos das mulheres começaram a ter um espaço na comunicação de massa, principalmente nos casos de violência doméstica, que ao ser enquadrada na lei Maria da Penha, escancarou o ciclo de violência que as mulheres sofriam no Brasil, mostrando a sua gravidade.
Temos também o grande problema da palavra feminismo, que gera uma grande aversão na comunicação de massa tradicional. Além disso, historicamente as mulheres estão nas sombras da sociedade e mudar algo que já está enraizado é muito complicado. “Essa falta de visibilidade dos coletivos feministas na grande imprensa está muito ligada a isso, dessa invisibilidade histórica, essa invisibilidade das pautas, que vão mexer com muita coisa que o sistema não quer mexer, porque o machismo é estruturante na nossa sociedade”, afirma Marilia Kayano, integrante da União de Mulheres do Município de São Paulo.
Mas a situação ainda está longe de ser ideal para as pautas feministas no Brasil. Para Mariana Mata, integrante do Coletivo FemiSistahs, quando o assunto chega na mídia geralmente é tarde demais: “A gente muitas vezes acaba aparecendo tarde demais. Então o que a gente costuma ver é quando a agressão já aconteceu. A gente vê bem pouco (a agressão) ser divulgada, o que vemos são os casos de feminicídio e geralmente têm uma visibilidade maior quando são casos chocantes para sociedade”. Um grande exemplo disso é o caso da criança que engravidou aos 10 anos em decorrência de estupros que seu tio praticava contra ela desde os 06 anos. Para conseguir realizar um aborto legal, que estava previsto em lei, a menina teve que percorrer um longo caminho, pois o procedimento foi negado em seu estado (Espírito Santo); entretanto, autorizado em Recife. Após esse fato que chocou o Brasil, várias pautas sobre o tema começaram a surgir, como por exemplo o número de meninas que engravidam dos 10 aos 14 anos vítimas de estupro ou quais hospitais podem fazer o aborto legal na rede SUS. “De alguma uma maneira isso fez com que o debate sobre aborto fosse discutido na maioria dos veículos, nem sobre a legalização do aborto ou sobre a descriminação dele, mas o acesso legal ao aborto se impôs, uma pauta que o movimento feminista há anos debate”, ressalta Paula Kaufmann, integrante do Coletivo Juntas. Muitas vezes as pautas estão aí, as mulheres estão falando e até mesmo gritando, mas raramente são ouvidas.
Outro ponto importante é que quando as mulheres são ouvidas, geralmente não são representadas como deveriam. Helena Zolic, participante da SOF (Sempre Viva Organização Feminista), conta uma história sobre essa falta de representatividade, relatando que durante a 3º Marcha das Mulheres, que aconteceu em 2010 e reuniu mais de três mil mulheres para percorrer 120 km entras a cidades de Campinas e São Paulo, a imprensa não fez a cobertura sobre o que a caminhada representava em nenhum momento e uma das únicas passagens jornalísticas foi sobre como a marcha estava atrapalhando o trânsito; “A gente não tem espaço e quando tem, não é da forma correta”, afirma Helena.
Até mesmo casos mais graves como o feminicídio são representados de forma desastrosa. “Pode ser que o jornalismo não se atente no papel que ele tem de combater essa realidade, enquanto a gente não combater, esse cenário não muda e o jornalismo tem muita força pra combater”, afirma Luciana Araújo. Para ela, o papel da comunicação de massa é fundamental para alertar a população sobre os casos e as consequências. Hoje, quando acontece um feminicídio, fala-se muito sobre o agressor, os motivos que o levaram a cometer o crime, mas se esquece que a vítima teve uma vida, deixou família e um legado para trás, a mulher se torna mais um corpo entre os outros. “Não tem discussão do porquê essas mulheres estão morrendo, só a venda dos corpos estirados sem explicação. Só há visibilidade na morte”, declara Sabrina Lopes, integrante do coletivo FemiSistahs. A função social do jornalista é dar a voz a quem não pode, é o seu dever e muitas vezes o veículo em si tem medo de se associar com os coletivos e perder público. Luciana Araújo enfatiza que: “Isso é jornalismo, não é militância, porque normalmente é o escudo que os veículos usam, mas a gente não pode fazer um discurso militante, não, a gente só cobra que faça jornalismo mesmo.” O jornalista não precisa tomar o partido, precisa fazer o papel dele.

O poder da internet
Uma das maiores aliadas do feminismo nos últimos anos é a internet. Isso acontece pois ela é utilizada como ferramenta para a produção de conteúdo. Temos grandes exemplos de como a internet consegue mobilizar milhares de pessoas, como aconteceu com a contratação do Robinho pelo Santos, sendo que o jogador havia sido condenado em nove anos pelo estupro de uma mulher em uma boate na Itália. A sua volta ao futebol brasileiro mobilizou milhares de pessoas, que foram para as redes sociais comentar o caso e em sua grande maioria repudiar a admissão. Após uma matéria especial do Globo Esporte, que trazia a transcrição de uma série de áudios em que o jogador falava mais sobre o crime, uma revolta na internet foi iniciada e inúmeras pessoas começaram a pedir a revogação da contratação do jogador. Nesse caso, todos os meios de comunicação falaram mais profundamente sobre o tema, pois estávamos lidando com um caso chocante que se trata de uma pessoa já conhecida. No fim das contas, por pressão dos patrocinadores, o time da baixada santista em conjunto com o jogador revogou o contrato. Em seguida, Robinho concedeu uma entrevista ao UOL, em uma das falas ele afirma que “Infelizmente, existe esse movimento feminista. Muitas mulheres às vezes não são nem mulheres, para falar o português claro, e se levantam contra.” Esse foi o estopim para que as páginas em redes sociais que têm como foco principal a criação de conteúdos feministas levantassem a bandeira e mostrassem o porquê de felizmente o feminismo existir em nossa sociedade.
Esse fenômeno das redes sociais causou uma democratização na distribuição das pautas feministas; enquanto na comunicação de massa tradicional a disseminação dessas informações anda de maneira lenta, na internet ela voa. “Estamos vendo muito nas redes socais as mulheres trazendo isso. Muitas feministas, as mulheres negras e mulheres com deficiências vêm trazendo isso nas redes sociais, tentando ocupar esses espaços”, afirma Fatine Oliveira, integrante do Coletivo Feminista Helen Keller. É interessante notar que nos últimos anos a necessidade de estar na internet, nas mídias sociais, ultrapassou o desejo de estar na televisão, por exemplo. Quem explica bem a visão de que muitas vezes a internet supre as necessidades da comunicação de massa tradicional é a Amanda Serzadello, criadora da página Você que Fala, que tem como objetivo tratar de assuntos que geralmente não são pautados na televisão: “A página surgiu com essa necessidade trazer para as pessoas o conhecimento que eu tive acesso, e o que eu falo não está na mídia.”
Outro benefício das redes sociais é realizar a conexão entre várias pessoas, como por exemplo o Planeta Ella, que desde 2014 organiza o encontro de mulheres do mundo inteiro e em 2020, por conta da pandemia da Covid-19, esse encontro aconteceu de forma online. Também houve a intensificação dos posts em suas redes sociais: “A gente pensou que deveria falar mais sobre a diversidade dos feminismos, e não só necessariamente essas lutas por igualdade. Então quando você vê o nosso Instagram, ele fala bastante sobre representação do corpo, autoestima, mas também fala sobre negritude, vai falar de maternidade, igualdade salarial, no esporte. A nossa ideia enquanto comunicação é passar um pouco sobre esse lugar, de conseguir trazer o debate mais amplo dentro do que a gente entende sobre feminismo”, explica a integrante do Planeta Ella Isis Maria.
Os coletivos feministas usam a internet como um aliado na divulgação e no engajamento de seus projetos, como é o caso dos coletivos feministas nas universidades que geralmente são divididos em cursos e que têm como objetivo realizar ações para as mulheres. Como todos os coletivos, os que são criados e organizados nas universidades enfrentam problemas para poderem realizar seus eventos. “Eu acho que a cultura da universidade colabora com a falta de visibilidade da gente porque, por exemplo, já tiveram situações muito desagradáveis em sala de aula e a gente tenta fazer o máximo possível para ajudar e deixar coletivo aberto para todas as meninas”, declara Carolina Bispo, integrante do coletivo Zaha do curso de arquitetura da universidade Mackenzie. Esses coletivos são bem importantes, pois com eles as estudantes se sentem mais unidas, como é o caso do coletivo Lobas da Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá – UNESP, que por ser uma instituição que só tem matérias de exatas, a porcentagem de estudantes do sexo feminino é menor. “A minha faculdade é de engenharia, só exatas, engenharia, física e matemática e é muito machista, porque é muito homem que entra, então o hino dela é totalmente machista”, relata Rafaela Ferreira, integrante do coletivo. É nesses momentos que a internet ajuda os coletivos a se organizarem em prol do seu objetivo.
Outro ponto importante é que não podemos esperar que esses conteúdos compartilhados na internet cheguem a todos. “A gente tem essa falsa percepção, essa ideia de que a internet está no mundo e que todos têm acesso. Mas não é verdade, então o ideal para os coletivos terem essa visibilidade com a massa é entender onde as massas estão, porque senão a gente vai ficar falando somente para os nossos”, afirma Nathalia Campos, que faz parte do coletivo Entre Elas. Uma pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) no ano de 2019 relata que, no Brasil, cerca de 26% da população (47 milhões de habitantes) não têm acesso à internet, sendo assim, ficam reféns dos conteúdos produzidos pela comunicação de massa tradicional. O grande desafio dos coletivos e das pautas feministas é lutar pela democratização das informações para que todos possam ter a chance de consumir os mesmos conteúdos.

O futuro é feminino?
Pensar no futuro, ou melhor, tentar adivinhar o que vai acontecer nele é algo que sempre moveu a humanidade. Uma das estampas mais famosas dos últimos anos é a frase “The future is Female” (O futuro é feminino); a primeira vez em a frase apareceu foi em 1975, quando a fotógrafa Liza Cowan retratou a sua namorada Alix Dobkin e essas palavras estavam estampadas em sua camiseta. A frase nos remete muito à época em que a foto foi tirada: eram os anos 70 e a segunda onda do feminismo estava em alta e já encaminhava a ideia de um feminismo repartido, dentro do guarda-chuva do movimento em geral. Desde a primeira onda, as mulheres já se preocupavam com o futuro, pois quando elas se reuniam e lutavam por seus direitos, a luta era por todas as mulheres, não só as que apoiavam o movimento. “Tudo o que as feministas conquistaram, elas conquistaram para todas as mulheres, tudo o que nós fizemos como feministas é bom para todas as mulheres, então é absolutamente importante que isso seja claro”, afirma Márcia Tiburi.
Talvez falar sobre futuro hoje para as mulheres seja algo um pouco complicado, já que: “Hoje nós estamos vivendo um tempo meio obscuro, de que o próprio movimento de mulheres está sendo perseguido”, como relatou Cida Lima, presidente da Associação das Mulheres da Zona Leste. No atual governo, as questões sociais são deixadas de lado e muitas vezes temos a sensação de que realmente são pautas que não vão entrar em discussão e que esses coletivos feministas terão que lutar em dobro para que os direitos já conquistados não sejam perdidos. “A gente está lidando com um governo que cria muitas dificuldades, cria muitos entraves, muitas barreiras”, conclui Fatine Oliveira. Além disso, é nesse governo que o Brasil entrou para o grupo de países que foram contra um trecho da resolução da ONU que visa o combate da discriminação contra as mulheres. O parágrafo em questão sugere como forma de combate à violência e discriminação que meninas tenham o acesso à educação sexual. Essa sombra de regressão dos direitos das mulheres paira no Brasil e preocupa os coletivos feministas.
Ao mesmo tempo é possível perceber que as mulheres estão engajadas na luta por seus direitos e que está começando cada vez mais cedo a percepção de que a igualdade de gênero é algo que está longe de ser justa. “Esse crescimento da luta feminista nos últimos anos, uma popularização do feminismo de alguma maneira... Então hoje você vai em uma escola, por exemplo, do ensino médio e pergunta na sala de aula: quem é feminista? 90% vai levantar a mão e isso significa muita coisa, mas elas se identificam com o feminismo. Isso, quando eu estava na escola não existia, então acho que existe uma popularização do feminismo”, afirma Paula Kaufmann, integrante do Coletivo Juntas. Mesmo com esse novo “ar fresco” que a nova geração trouxe ao feminismo, não podemos esquecer de todas as mulheres do passado que lutaram para o futuro das mulheres de hoje. “O feminismo dialógico é o feminismo que a gente faz entre as gerações, porque a minha geração não é nada sem a geração da Simone de Beauvoir, a geração da Simone de Beauvoir não é nada sem a geração das sufragista, e assim por diante, então a gente tem uma afinidade com as mulheres do passado que são as nossas heroínas, elas que abriram espaços para nós”, completa Márcia Tiburi sobre a questão de como todas as ondas e mulheres se conectam em toda a história e reconhecer isso é entender a importância que cada mulher do passado tem no presente e no futuro.
Afirmar que “o futuro é feminino” é algo que as mulheres sempre fizeram, depositar as esperanças nas novas gerações é acreditar que futuramente o mundo vai se transformar e que as pautas feministas serão algo normal e não vistas como “tabu”. “Acho que daqui a alguns anos vai ser muito mais feio você dizer que você não é feminista, sabe? Vai ser do ponto vista da moralidade, sabe? Acho que hoje a geração mais velha olha torto para você quando diz que é feminista, mas daqui a alguns anos vai ser inverso”, conclui Paula Kaufmann. Observar a luta das mulheres na história do mundo é compreender que elas não vão parar até que todas as mulheres tenham os mesmos direitos. Com o aumento dos coletivos feministas e da identificação das mulheres com o feminismo, estamos caminhando para um futuro cada vez mais feminino.
No mar da piscianaPatricia Pontes
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No primeiro episódio do podcast No mar da pisciana indicaremos cinco livros para você aprender o que é feminismo de forma simples e rápida.
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